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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Entender o que é um Café Filosófico


Projeto Café Filosófico
Professora Soraia Spolidório

O Café Filosófico é uma série de encontros nos quais são abordados anseios e angústias dos indivíduos na sociedade contemporânea, tendo como referências teóricas fundamentais a Sociologia e a Filosofia. Os prejuízos financeiros da última crise econômica mundial são evidentes. Mas quais são os seus prejuízos emocionais desta crise? Não é só a vida profissional e os planos de consumo que ficaram comprometidos, precisamos aprender a nos reerguer da falência dos nossos sonhos, planos de vida, nossas metas de relacionamento. Uma crise é tempo de mudança de significado e construção de novos rumos para as nossas finanças e vida emocional. O ponto positivo da crise, aliás, é que ela traz a oportunidade de nos reinventarmos. Com a ajuda de filósofos e historiadores, buscam decifrar o sentido dos acontecimentos cotidianos para viver melhor. Depois de ficar por mais de três séculos relegada ao papel de figurante na vida cotidiana do homem comum, a filosofia volta a ser discutida informalmente em lugares públicos e até consultórios, graças a um grupo de perfil tão variado quanto o de Denise, Rafael e Mozart. "Há um 'revival' da reflexão filosófica. Entre os séculos 15 e 18, ela sofreu um exílio em função do mundo prático que a física trouxe. Mas a supervalorização deste mundo gerou nas pessoas comuns um vazio existencial que só a filosofia pode ajudar a preencher porque as explicações técnico-científicas não são mais suficientes", afirma o filósofo e colunista da Folha Mario Sergio Cortella. A parte mais visível deste "revival" são os cafés filosóficos, invenção parisiense do início da década passada que pipocou pelos cinco continentes a partir de 95 e floresceu no Brasil nos últimos quatro anos. Abertos a pessoas de todas as idades que não precisam ter formação filosófica, os cerca de 230 cafés espalhados pelo mundo (mais da metade deles na França) viraram um espaço para debater questões cotidianas à luz da filosofia, como faziam os gregos há mais de 2.000 anos.
"As reuniões nos cafés são exercícios da cidadania. A reflexão filosófica sobre o que está por trás de acontecimentos diários que parecem banais desestabiliza preconceitos e aumenta a capacidade dos participantes de avaliar adequadamente os acontecimentos", diz a professora de filosofia da USP Olgária Matos. Apesar de nascida em praça pública, a filosofia afastou-se de suas origens e ficou restrita a iniciados, confinada aos muros da academia.

"A filosofia era diálogo e discussão a céu aberto, em praça pública, sobre a justa vida e o bem-viver. Era o exercício da busca da harmonia consigo mesmo e da concórdia na cidade", afirma Matos, pioneira nas iniciativas pela popularização da filosofia no Brasil.
Outra face deste "revival" são as tentativas de usar a filosofia para curar depressão, ansiedade e outros problemas emocionais até hoje tratados exclusivamente por psicanalistas e psiquiatras. Chamada no Brasil de filosofia clínica, a prática ainda é vista com desconfiança até por alguns filósofos, mas não pára de crescer.
“O mundo tecno-científico lida com o como as coisas acontecem, enquanto a filosofia e a religião lidam com o porquê”, diz Cortella. O fenômeno que provocou o "revival" da filosofia é o mesmo que levou ao boom da auto-ajuda e da nova religiosidade e que transformou o livro "O Mundo de Sofia", do norueguês Jostein Gaarder, em um dos maiores sucessos editorias de todos os tempos. "Em uma época em que a felicidade é sinônima de consumo de bens materiais, em que a política encontra-se separada da economia e que tudo passa por uma decisão técnica, a noção de sociedade civil se apaga. E a filosofia aparece para restaurar o sentimento de cidadania", diz Matos. Para Heraldo Tovani, organizador do projeto Filosofia no Cotidiano, da Prefeitura de Santo André (Grande São Paulo), a filosofia está se popularizando porque traz "algumas luzes de reflexão" ao mar de "cotidiano nonsense". "Não falta só ética, falta estética. Precisa-se, neste momento, de filosofia no cotidiano e de muito cotidiano na filosofia", diz Tovani.
Viver melhor
A filosofia ajuda a viver melhor porque desperta a interrogação, aprofunda a reflexão, pesquisa motivos ocultos e reinterpreta fatos, ridicularizando justificativas aparentes ou falsas. "Diante de afirmações dogmáticas, a filosofia introduz a dúvida. Ela é um exercício de vigilância crítica", diz o filósofo Israel Alexandria, um dos mentores do Café Filosófico, versão soteropolitana do Café dês Phares, o "pai" dos cafés filôs. Além de reunir pessoas de várias profissões, os cafés filosóficos brasileiros conseguiram atrair adolescentes, profissionais que poderiam ser seus pais e aposentados que poderiam ser avós. Aos 17 anos, Rafael Rogara é um dos mais jovens freqüentadores do Filosofia no Cotidiano. O mais velho tem 84. "Achávamos que a maioria do público ficaria na faixa dos 40, 50 anos.
“O grande número de adolescentes e jovens adultos foi uma agradável surpresa”, conta Tovani. Na primeira edição do café de Santo André, 65% do público tinham menos de 40 anos.
O interesse dos jovens pela filosofia pode surpreender hoje, mas era propagado desde a Grécia Antiga. No século 4 a.C., o filósofo grego Epicuro já dizia que "ninguém é pouco nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma". Segundo ele, "quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz". A falta de tempo livre imposta pela correria do mundo moderno tampouco deve se tornar motivo que impeça a reflexão. "A falta de tempo não é uma armadilha à prática da filosofia. Ao contrário, por viverem correndo, as pessoas querem fazer algo relevante com o pouco tempo livre que lhes resta", diz Cortella. Cafés filosóficos no Brasil. O primeiro café filosófico "brotou" na Praça da Bastilha, em Paris, no final de 1992. Por iniciativa do filósofo Marc Sautet, morto em 1998 aos 51 anos, o Café dês Phares passou a hospedar, nas manhãs de domingo, franceses de várias profissões sedentos por interpretar acontecimentos cotidianos à luz da filosofia. Confira abaixo alguns cafés filôs por aqui. Em São Paulo: o Café Filosófico da Livraria Cultura foi o pioneiro no Brasil. Fundado em agosto de 97 por Olgária Matos, professora de filosofia da USP, e pela jornalista Sônia Goldfeder, chegou a reunir 400 participantes em uma sessão. Com a saída de Olgária, em 99, o café se distanciou da concepção original, abrindo espaço para debates sobre história da arte e psicanálise. Mas ainda mantém o espírito do Café dês Phares, com sessões como a de setembro passado, em que a professora de filosofia da USP Scarlett Marton falou sobre Nietzsche e valores morais. Cerca de 120 pessoas participam dos debates mensais.
Desde fevereiro de 2000, a Hebraica também promove cafés filosóficos, mas o evento é aberto só para os sócios e seus convidados. Em Santo André (SP): chamado de Filosofia no Cotidiano, o evento de Santo André (Grande SP) é organizado pela Secretaria de Cultura e pela filósofa Olgária Matos. Desde abril, realiza-se na última quarta-feira do mês, na Casa da Palavra, sempre com um convidado encarregado de conduzir o debate sobre questões do dia-a-dia sob a ótica filosófica.
No último café, o professor de filosofia da USP Renato Janine Ribeiro falou sobre a legitimação do direito de desejar. Em Salvador (BA): desde abril de 2000, a versão baiana dos cafés filôs não tem sede própria, mas é realizada religiosamente uma vez por mês.
Batizada de Café. filosófico, o evento é dividido em três partes: abertura de 15 min. com apresentação de peças teatrais, poemas e músicas; exposição do palestrante convidado sobre o tema do mês (30 min.) e bate-papo (uma hora). O café itinerante é realizado em universidades, bares, bibliotecas ou espaços culturais.
FALCÃO, Daniela. Atitude filosófica dá qualidade de vida. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 jun. 2001. Folha Equilíbrio, p. 8

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